Um estudo conduzido pela Embrapa Meio Norte, no Piauí, revelou que uma aplicação intensiva de calcário não só pode aumentar o rendimento da soja em até um terço. A pesquisa foi desenvolvida em resposta a uma demanda apresentada pela associação de produtores do estado.
A aplicação intensificada de cálculo no solo para o cultivo de soja de primeira safra na região do Matopiba, abrangendo partes dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, demonstra um aumento significativo na produção, superando em até 30% os índices alcançados com as dosagens tradicionais recomendadas.
Essa descoberta representa o resultado mais relevante das pesquisas realizadas pela Embrapa Meio-Norte (PI) na região, em andamento desde 2019.
Segundo o estudo, a aplicação elevada de calcário não compromete a fertilidade do solo, embora possa resultar na redução de alguns nutrientes, o que pode ser compensado por meio de adubação adequada.
A prática de aplicar doses mais altas de cálculo nas atividades dificultava o acesso dos produtores ao crédito bancário. As investigações resultaram de uma solicitação da Associação dos Produtores de Soja do Piauí (Aprosoja-PI), que, ao identificar a utilização dessa técnica em algumas propriedades, buscou entender seus impactos.
O pesquisador da Embrapa, Henrique Antunes, esclarece que a adoção da prática está ligada ao valor da soja como commodity. Ele destaca que os produtores possuem áreas ampliadas com doses elevadas de calcário, inicialmente plantando soja para obter um retorno imediato. Em outros casos, inicie o cultivo de forrageiras e, no segundo ano, insira a soja na rotação.
A adoção dessa prática sem respaldo técnico-científico impede que os produtores acessem o crédito bancário, o que torna a pesquisa fundamental para estabelecer novos critérios que proporcionem maior segurança para os agricultores.
Antunes também observa que muitos dos documentos oficiais sobre fertilidade do solo foram baseados em estudos realizados nas décadas de 1980 e 1990. Atualmente, os agricultores utilizam cultivares de soja com características e necessidades nutricionais específicas, além de sistemas de manejo mais intensivos e maior utilização de insumos biológicos e nutricionais.
Antunes defende que esta situação justifica uma revisão das orientações oficiais, especialmente nas regiões de fronteira agrícola, que apresentam condições específicas e diferenciadas.
O primeiro estudo da Embrapa sobre o tema, realizado em colaboração com a Universidade Federal do Piauí (UFPI), tinha como objetivo avaliar os efeitos da aplicação de grandes quantidades de calcário e gesso em áreas recém-abertas, monitorando o impacto na fertilidade do solo , no estado nutricional das plantas e na produtividade da soja no Cerrado piauense. O uso combinado de gesso e calcário contribui para melhorar as características do solo, especialmente na redução de sua acidez.
O experimento foi realizado durante duas safras agrícolas (2019/2020 e 2020/2021) com a cultivar de soja BRS 9180. Foram testados cinco pedaços de calcário (zero, 5, 10, 15 e 20 toneladas por hectare) e quatro de gesso ( zero, 1, 2 e 4 toneladas por hectare), em parcelas com 13,2 mx 6,6 m.
As doses de 5 toneladas por hectare de calcário e 1 tonelada por hectare de gesso se aproximam das recomendações padrão atuais. Os resultados mostraram que doses de calcário em cerca de 15 toneladas por hectare quase eliminaram a toxicidade do solo devido ao alumínio.
No entanto, doses entre 10 e 15 toneladas por hectare aumentaram as concentrações de fósforo e potássio, enquanto quantidades mais altas (entre 15 e 20 toneladas por hectare) diminuíram os níveis desses nutrientes, assim como dos micronutrientes, resultando em uma queda na produtividade dos grãos.
O engenheiro-agrônomo Doze Batista de Oliveira, responsável pela tese de doutorado na UFPI com base nos resultados do projeto, explica que a aplicação de 10 toneladas de calcário por hectare gerou aumentos significativos na produtividade da soja. Nas safras de 2019/2020 e 2020/2021, os incrementos foram de 18% e 12%, respectivamente.
O gráfico detalhado que a aplicação de cálculo resultou em melhorias significativas na fertilidade do solo, o que impulsionou a produtividade dos grãos. Ele destaca que o uso combinado de calcário e gesso proporcionou uma rápida melhoria nas características químicas do solo, especialmente na redução da acidez em profundidade.
Após os primeiros estudos realizados em parceria com a IFPI, Antunes tem liderado novas pesquisas na região do Matopiba e no Pará, com o apoio da Rede FertBrasil e financiamento da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). De acordo com ele, dados mais recentes indicam um aumento de 20% a 30% na produção de soja em áreas onde foram aplicadas altas doses de calcário e gesso.
Antunes explica que, ao concordar com as características do solo com a aplicação de calcário e gesso, e quando esses corretivos são bem incorporados, as raízes das plantas transmitem camadas mais profundas do solo, que antes não eram acessadas. Nessas camadas, as plantas encontram água e nutrientes, o que ajuda a reduzir o estresse durante períodos de seca.
Ele ressalta que o uso de corretivos cria um ambiente ideal para o desenvolvimento das plantas, o que é especialmente importante em regiões de fronteira agrícola, como o Matopiba. Nesses locais, com clima mais sensível, ainda se está em processo de construção da fertilidade do solo.
O pesquisador destaca que o uso de doses elevadas de cálcio pode reduzir as concentrações de fósforo, potássio e micronutrientes no solo, o que também reflete na diminuição desses nutrientes nas plantas. Por isso, ele alerta para a necessidade do produtor realizar uma adubação que corrija essas deficiências.
A experiência do consultor Diógenes Brandalize tem sido positiva. Ele trabalha em uma propriedade de 3 mil hectares em Água Branca (PI), onde cultiva soja, milho, sorgo e milheto. Inicialmente, utilizava-se 4 toneladas de calcário e meia tonelada de gesso por hectare, mas, há três anos, passou a aplicar doses mais altas com o objetivo de aumentar a produção. Como resultado, obtive um ganho de 20% na produtividade.
Alguns agricultores participam do projeto e continuam adotando o manejo tradicional enquanto aguardam os resultados finais das pesquisas. Um exemplo é Luís Fernando Devicari, que cultiva soja e milho, além de criar bovinos e ovinos em uma propriedade de 1.020 hectares na Fazenda Barbosa, em Brejo (MA).
Devicari explica que costuma aplicar cerca de três toneladas de calcário por hectare em áreas de abertura e, a cada dois ou três anos, acrescenta uma tonelada adicional por hectare. Ele menciona que, em áreas mais deficitárias da região, os produtores optam por doses maiores. Na fazenda, são realizadas análises do solo anualmente, e o cálculo é aplicado conforme a necessidade.
O engenheiro-agrônomo e consultor Christofer Andre Garanhani, de Paragominas (PA), destaca que os estudos têm auxiliado os produtores na tomada de decisões sobre o volume de calcário a ser utilizado nas propriedades. Ele explica que, devido à grande extensão de áreas argilosas na região, é necessário verificar as doses de calcário aplicadas. Segundo Garanhani, os estudos têm mostrado que as doses devem ser crescentes, especialmente para a composição e formação do perfil do solo, além de serem permitidas para as reposições.
Garanhani menciona que, embora inicialmente houvesse uma expectativa de utilizar doses ainda mais elevadas de calcário, os resultados das pesquisas ajudaram os produtores a entender como aplicar o corretivo de maneira equilibrada, envolvendo a qualidade do solo. Ele acredita que a principal barreira para a adoção dessa prática é o custo mais alto. “Em uma região de fronteira, os custos com abertura de terrenos, construção e infraestrutura são elevados, mas acredito que a maioria dos produtores regulares que doses menores já não têm o mesmo efeito, especialmente com cultivares de alto potencial genético”, analisa.
Por outro lado, Brandalize observa que os produtores da região estão começando a adotar essa prática de forma gradual. "Está colaborando uma migração lenta e gradual; em alguns casos, os produtores parcelam a dose total mais alta. A dificuldade de acesso ao crédito, no entanto, acaba dificultando um pouco esse processo", conclui.
Da redação Ponto Notícias