O ministro da Fazenda anuncia, após meses seguidos de meditação, um
pacote para cortes indispensáveis no gasto público - mas o governo do
qual faz parte é contra quase tudo o que há no pacote. Os cortes
propostos, na maior parte, estão mais no mundo da contabilidade do que
no mundo das coisas reais. Não se pode cortar nada nos ministérios
rigorosamente inúteis que o presidente criou. Não se pode cortar nada
dos militares. Não se pode cortar nada na folha de pagamento do
Judiciário - o mais caro do mundo.
O presidente da República, justo numa hora dessas, manda que se prepare
um "programa" para construir banheiros nas casas dos mais de 4
milhões de brasileiros que não têm um - viu isso num programa de
televisão, quer "providências" e já ameaçou as possíveis objeções
dizendo que fazer banheiros com dinheiro público "não é despesa".
Pode até não ser, mas vai ser preciso pagar os tais banheiros - e, de
mais a mais, não se explicou como ligar a coisa toda a redes de
saneamento que não existem para 90 milhões de pessoas.
A dívida bruta do governo, segundo acaba de anunciar o Banco Central,
bateu no recorde histórico de R$ 9 trilhões; quase R$ 2 trilhões disso
aí foram somados no Lula 3. O governo está tendo déficit há 16 meses
seguidos. Viveu um pouco no azul, com o caixa que recebeu da
administração anterior, mas torrou tudo e passou a gerar dívida. A
comitiva oficial do Brasil na última quermesse do "clima" feita na
Ásia foi de quase 2.000 gatos gordos com crachá de autoridade - a
maior do mundo.
O Correio, que o governo retirou da lista de privatizações, anunciou que
está em situação de insolvência; o Tesouro Nacional vai ser obrigado a
socar dinheiro em cima, se não a empresa fecha. O "Janjômetro",
recém-criado, passou dos R$ 63 milhões em 1 de dezembro. O governo
propõe uma anistia para a roubalheira crônica que as administrações
Lula-Dilma criaram nos fundos de pensão das estatais - da mesma forma
como o STF anistiou a Odebrecht e a J&F de pagarem os R$ 18 bilhões que
deviam ao Erário, por corrupção confessa.
A lista vai embora, e nem o governo tem a menor ideia de onde ela
poderia acabar. Tudo bem, a vida é mesmo dura para o brasileiro que tem
de pagar cada centavo dessa sangria desatada. Mas a pergunta que fica é
muito simples: o que "o mercado" tem a ver com tudo isso? Lula e a
maioria extremista do seu governo, desde sempre, fazem discursos
coléricos contra "o mercado". Jogam nele toda a culpa por tudo o que
está errado na economia. Mas qual das coisas descritas acima foi feita
pelo mercado? Nenhuma.
Não foi "a Faria Lima", como dizem eles, que mandou 2.000 magnatas
para um lugar chamado Baku. Não foi "a Faria Lima" que quebrou os
Correios, nem provocou os 16 meses de déficit e nem gastou um tostão dos
R$ 9 tri da dívida bruta. Não foi "a Faria Lima" que perdoou a
dívida dos ladrões, e não é ela que está querendo criar o Bolsa
Banheiro. Não foi "o mercado", com certeza, que escreveu o pacote do
ministro Haddad.
O extremo lulismo, indignado, diz que "a Faria Lima quer sangue",
mas que o governo resiste heroicamente às "pressões" desses
milionários desocupados e não vai deixar que tirem a comida da boca dos
"pobres" etc. etc. O "mercado" não quer tirar nada dos
"pobres", não quer que o dólar passe dos R$ 6 e não quer que o
Brasil vá a falência. Mais que tudo, não gasta um único centavo do
Erário - e é o gasto do Erário que provoca inflação, força os juros
para cima e faz o câmbio ir para o espaço. Tudo o que o mercado faz é
responder às realidades.
Lula acusa o "mercado" pelos sintomas, mas é o seu governo que está
criando a doença. Tudo o que sabe dizer é que o Brasil vai ter um
crescimento de 3% este ano - como se 3% de crescimento fossem mudar
alguma coisa no abismo social, tecnológico, educacional, burocrático ou
legal no qual se afunda hoje o país. Os níveis de pobreza, atraso,
insegurança, ignorância e subdesenvolvimento do Brasil atual não foram
criados pelo "mercado", e não faz parte das suas obrigações melhorar
qualquer um deles.
Quem tem de resolver esses problemas é quem se dispõe a governar - e
não "a Faria Lima", que não é responsável por absolutamente nenhuma
decisão do governo. Em dois anos, Lula não governou. Só gastou. Tem mais
dois anos para consertar, pelo menos em parte, as depredações do seu
vandalismo fiscal. Mas o problema do governo Lula, no caso, não é falta
de tempo. É a flagrante falta de vontade de consertar o que quer que
seja.
Por J.R. Guzzo