O retorno de Trump à presidência pode intensificar disputas no setor agrícola entre Brasil e Estados Unidos. A adoção de medidas voltadas à proteção de mercados internos por parte do governo americano tem o potencial de beneficiar exportações brasileiras para países como a China. Contudo, essas mesmas políticas podem dificultar acordos que promovam o crescimento e a diversificação das relações comerciais internacionais.
A retomada de Donald Trump à liderança dos Estados Unidos pode intensificar disputas no setor agrícola entre Brasil e EUA. As estratégias voltadas à proteção do mercado interno americano podem, simultaneamente, abrir oportunidades para as exportações brasileiras em nações importadoras, como a China, e criar barreiras para avanços em acordos comerciais bilaterais e expansão de mercados.
Analistas e membros do setor público e privado apontam que as medidas protecionistas implementadas por Trump podem trazer benefícios ao agronegócio brasileiro em termos de exportações para outros mercados. Entretanto, essas mesmas políticas podem gerar impactos negativos nas relações comerciais diretas entre Brasil e Estados Unidos.
Um elemento central dessa dinâmica é a possível reabertura do conflito comercial entre Estados Unidos e China. Trump tem sinalizado a intenção de impor tarifas mais altas sobre bens adquiridos do exterior, reacendendo tensões com o governo chinês, como ocorreu durante sua administração anterior.
Caso surja uma nova onda de represálias mútuas, o Brasil pode ser beneficiado pelo aumento da procura chinesa por soja e milho provenientes de outras origens. No entanto, o impacto tende a ser mais limitado em comparação com o observado na etapa inicial do embate comercial sino-americano durante o primeiro mandato de Trump.
O Brasil tende a expandir sua participação como fornecedor de grãos para a Ásia, caso o embate comercial entre Estados Unidos e China se intensifique. Esse movimento, porém, é projetado como uma oportunidade de curto prazo, enquanto perdurar a disputa tarifária entre as duas potências.
Atualmente, o Brasil direciona uma parcela significativa de suas exportações de soja, carne, algodão e milho para o mercado chinês, enquanto os Estados Unidos ocupam uma posição menos expressiva nesse comércio. Segundo Marcos Jank, coordenador do Insper Agro Global, os benefícios para o Brasil em uma eventual escalada comercial entre americanos e chineses seriam menos impactantes do que no passado, mas ainda podem trazer resultados positivos no curto e médio prazo.
No entanto, Jank destaca que a China valoriza a diversificação de suas fontes de soja entre os hemisférios Sul e Norte, aproveitando períodos distintos de colheita e preços mais vantajosos.
Marcos Jank ressalta a possibilidade de uma trégua negociada entre Estados Unidos e China como parte das estratégias políticas de pressão e barganha de Trump, o que poderia alterar as vantagens momentâneas para o Brasil. Esse cenário, segundo ele, exige cautela no médio prazo.
Para Sueme Mori, diretora de Relações Internacionais da CNA, o Brasil está bem posicionado para atender a um aumento na demanda por alimentos da China e de outros mercados, seja motivado por disputas comerciais ou condições climáticas adversas. Ela observa, no entanto, que a nova fase do conflito sino-americano pode se mostrar mais acirrada do que a anterior, exigindo atenção redobrada dos exportadores brasileiros.
A formação de um segundo governo Trump deve refletir um cenário geopolítico distinto em relação à sua primeira administração. Com maior legitimidade e suporte político interno, Trump terá mais autonomia para adotar medidas que possam acirrar o conflito comercial com a China. Contudo, o país asiático continua a exercer uma influência significativa no equilíbrio geopolítico global, o que pode moldar os desdobramentos dessa disputa.
A relação entre os governos de Trump e Lula tende a ser marcada por divergências ideológicas, agravadas pelo apoio declarado do presidente brasileiro à democrata Kamala Harris. Além disso, a inclinação protecionista de Trump em relação à produção interna dos Estados Unidos pode dificultar negociações para ampliar o comércio bilateral.
Segundo diplomatas que acompanham as relações nos Estados Unidos, qualquer avanço, como o aumento das cotas de exportação de carne bovina e açúcar brasileiros para o mercado norte-americano, deverá ser acompanhado por concessões do Brasil, como a redução de tarifas sobre o etanol importado dos EUA.
O Brasil busca expandir sua presença no mercado americano com a exportação de frutas, como o limão-taiti. Em contrapartida, os Estados Unidos desejam aumentar o envio de produtos como vinhos, carnes premium, frutas como peras e cerejas, salmão selvagem e derivados de proteína de leite para o mercado brasileiro, evidenciando interesses comerciais distintos entre os dois países.
No ano passado, os Estados Unidos se destacaram como o segundo maior destino dos produtos agropecuários brasileiros, com exportações que somaram US$ 12,092 bilhões, representando 7,4% do total exportado pelo agronegócio do Brasil. Entre os principais itens exportados estão café verde, celulose, carne bovina in natura, suco de laranja e couro. Por outro lado, o Brasil importou US$ 1,028 bilhão em produtos do agronegócio dos Estados Unidos durante o mesmo período.
O governo brasileiro busca manter o andamento das negociações comerciais com os Estados Unidos, focando em uma relação baseada na confiança, independentemente das divergências políticas, conforme declarado por Luis Rua, secretário de Comércio e Relações Internacionais do Ministério da Agricultura.
Luis Rua ressaltou a importância dos Estados Unidos como parceiro estratégico do Brasil, tanto em termos de investimentos quanto no ecossistema de inovação agropecuária. Ele enfatizou que o objetivo é manter uma relação comercial dinâmica, com a exportação de produtos complementares, como o café, e aprofundar a colaboração sempre que possível.
Rua também destacou que, independentemente das políticas comerciais de Trump, o Brasil se manterá aberto para atender à demanda global, especialmente se uma escalada protecionista nos Estados Unidos afetar a oferta de produtos exportados pelos americanos.
Segundo Jank, o Brasil não representa uma ameaça significativa para a política comercial de Trump, uma vez que a balança comercial entre os dois países é deficitária para o Brasil, com as exportações brasileiras em 2024 totalizando US$ 40,330 bilhões contra importações de US$ 40,583 bilhões. Ele acredita que os Estados Unidos irão priorizar seus aliados comerciais, mas vê áreas de cooperação, como biocombustíveis e tecnologia agrícola, como potenciais pontos de colaboração.
Por outro lado, Jank prevê uma maior pressão dos Estados Unidos para reduzir a tarifa de 18% aplicada ao etanol brasileiro, além de identificar uma oportunidade para o Brasil aumentar a cota de carne bovina exportada aos EUA, em razão da crise no setor pecuário americano.
Sueme Mori, da CNA, afirmou que o agronegócio brasileiro ainda busca expandir o comércio com os Estados Unidos e espera que o pragmatismo nas negociações continue. Ela observou que, apesar das tensões políticas, a balança comercial historicamente não foi impactada por esses desgastes.
Representantes da indústria da carne e do setor sucroenergético não veem perspectivas de avanços nas negociações para ampliar as cotas de exportação de carne bovina e açúcar brasileiros ao mercado dos Estados Unidos sem a eliminação das tarifas.
Uma fonte do setor exportador apontou que, embora os Estados Unidos provavelmente continuem a importar carne brasileira devido a desafios domésticos de oferta, a redução das tarifas é considerada improvável. No entanto, o cenário atual já é visto como favorável ao Brasil, que exportou 229 mil toneladas de carne bovina para os EUA em 2024, gerando US$ 1,35 bilhão em receitas.
Os Estados Unidos continuam sendo o principal destino do café brasileiro, com 471,539 mil toneladas (equivalente a 7,859 milhões de sacas) exportadas no ano passado. A indústria acredita que, no comércio de café, a "racionalidade comercial" e o bom relacionamento entre os traders devem prevalecer.
O professor Roberto Rodrigues, da Fundação Getúlio Vargas e ex-ministro da Agricultura, defende que as demandas de mercado devem superar as questões ideológicas nas relações comerciais entre os países. Ele ressalta que o funcionamento eficiente do mercado é essencial para garantir a continuidade da participação do Brasil. Rodrigues também aponta a possibilidade de aumento do protecionismo em relação aos produtos agropecuários brasileiros, mas enfatiza a importância de uma negociação diplomática cuidadosa e competente, aberta a todos os mercados internacionais.
Segundo o ex-ministro Roberto Rodrigues, ao considerar o primeiro mandato de Trump, os efeitos sobre o agronegócio devem levar a uma maior "desglobalização", o que pode resultar no enfraquecimento de organizações multilaterais, como a ONU e a OMC. Rodrigues acredita que esse cenário é negativo para todos os países, incluindo o Brasil, e ressalta que a ausência de organismos multilaterais comprometeria a direção das negociações internacionais e o comércio global.
Da redação Ponto Notícias l Com informação Luis Roberto Toledo