Talvez você, que lê este texto, já caiu ou esteve por cair na armadilha
do vídeo ficcional com um assunto bombástico, que, se fosse verdadeiro,
era para ser visto por todo mundo. Só que não!
Dois exemplos. O primeiro reporta um debate de Nikolas Ferreira com uma
distinta atriz. E, claro, Nikolas, que é muitíssimo mais preparado (e,
digo eu, mais autêntico), arrasa! No outro, Nikolas debate com um famoso
apresentador de TV, que, lógico, vai defender a ideologia da Globo, que,
por sua vez, sabemos, é a ideologia do governo. De novo, Nikolas não
deixa pedra sobre pedra. E muita gente repassa o vídeo acreditando que
se trata de fato real! Um favorzinho a sabe-se lá quem...
Estou lembrando um aforismo de Guimarães Rosa: "Quem desconfia fica
sábio." Para começar, alguém acredita que a distinta atriz ou o anódino
apresentador de TV topariam debater com Nikolas Ferreira? Eu duvido!
Óbvio, nos vídeos não há imagens do evento. O que há é um locutor lendo
uma resenha do debate com minúcias que vão de como se vestiam as pessoas
aos argumentos de ambas as partes, passando pelos detalhes do que houve
nos bastidores e da reação do público durante a discussão imaginária.
Alguns canais, na descrição do vídeo, têm uma advertência, como esta:
"As histórias apresentadas neste canal são completamente fictícias e
criadas exclusivamente para fins de entretenimento. Qualquer semelhança
com eventos, pessoas ou situações reais é totalmente coincidente e não
intencional. Essas narrativas não têm o objetivo de retratar, se referir
ou representar quaisquer eventos, pessoas ou entidades reais." Não há,
pois, o que reclamar. Só que o esclarecimento é que nem aquelas letras
miúdas (para a vítima não ler) que há em certos contratos. E a maioria
vai repassar o vídeo por julgá-lo autêntico.
Além disso, é um disparate usar pessoas públicas e assuntos graves em
"histórias", como informa o canal, "criadas exclusivamente para fins de
entretenimento." Faz algum sentido?
É ficção, pois. E não insulta ninguém. Não há difamação, injúria nem
calúnia. mas envolve pessoas reais: Nikolas Ferreira, a distinta atriz e
o apresentador são pessoas de carne e osso. E apesar da explicação do
canal, devemos admitir que os perdedores do debate fictício possam ficar
desgostosos, o que, por si só, já é fator de encrenca.
Mas qual é o problema real? Ora, em 2022, durante aquela patuscada que
havia à frente dos quartéis, circulavam áudios e vídeos (maliciosamente
falsos), que cumpriam a função de manter mobilizadas as senhorinhas (e
não só). Quem e com que fim fazia aquilo? Pois deu no que deu.
Quem gravava os vídeos e áudios de 2022? Não sei! Talvez os mesmos que
insuflaram o vandalismo do 8 de janeiro (que o STF chama de tentativa de
golpe), os mesmos que apagaram as imagens das câmeras que mostrariam
quem fez o que fez naquele dia fatídico. "Quem desconfia fica sábio."
Não sei que propósito está por trás dos vídeos de agora - vídeos que não
informam, que, embora com ideias úteis, não fazem refletir por causa da
forma, servindo só para entreter a indignação dos indignados. Mas sei
que a caneta que, para enviar uma dona de casa na cadeia, é capaz de
dizer que batom é material inflamável também o é de criminalizar o fato
de você repassar uma história "fictícia" (que não insulta ninguém). E
ainda pode usá-lo como mais um pretexto para arroxar a censura no país.
Por Renato Sant'Ana é Advogado e Psicólogo.