Serra Pelada, localizada no estado do Pará, tornou-se um dos cenários mais emblemáticos da história recente do Brasil devido à impressionante descoberta de uma gigantesca jazida de ouro a céu aberto. O local ganhou notoriedade nacional e internacional por representar um dos maiores episódios de garimpo já registrados, atraindo a atenção de milhares de pessoas em busca da promessa de riqueza instantânea. Essa descoberta transformou radicalmente a região, tanto do ponto de vista econômico quanto social, desencadeando uma verdadeira corrida do ouro que modificaria para sempre o destino daquela área.
O ponto de partida dessa história ocorreu em 1979, de forma quase acidental, quando uma criança encontrou pequenas pedras brilhantes, com coloração dourada, nas águas rasas de um riacho local. O brilho peculiar das pedras logo despertou a curiosidade e a desconfiança dos moradores, até que se confirmou tratar-se de ouro. Em pouco tempo, a informação sobre a presença do metal precioso espalhou-se como fogo em palha seca, gerando comoção e despertando o interesse de aventureiros, trabalhadores desempregados, comerciantes e até mesmo grandes investidores, todos ansiosos por aproveitar a oportunidade de enriquecer com a nova jazida.
A rapidez com que a notícia se espalhou desencadeou um movimento de migração intenso e desordenado para a região, marcando o início de uma verdadeira febre do ouro. Pessoas vindas de diversas partes do país, especialmente do Norte e Nordeste, abandonaram seus empregos, famílias e cidades de origem em busca do sonho de encontrar fortuna em Serra Pelada. O local, até então isolado e pouco conhecido, tornou-se o centro das atenções, abrigando milhares de garimpeiros que enfrentavam condições precárias e jornadas exaustivas em troca da esperança de descobrir uma pepita capaz de mudar suas vidas.
Num Brasil mergulhado em uma grave crise econômica e sob o controle autoritário de uma ditadura militar, a descoberta de ouro em Serra Pelada surgiu como um farol de esperança em meio à escuridão. A promessa de riqueza rápida e libertadora, em contraste com a realidade de desemprego, inflação e repressão política, foi suficiente para mobilizar uma massa de trabalhadores desesperados. Homens de todas as partes do país, muitos dos quais haviam perdido suas ocupações ou viviam à margem da sociedade, enxergaram no garimpo a chance de mudar de vida, nem que fosse à custa do próprio corpo e da própria segurança.
A partir do momento em que se confirmou a existência de ouro em grandes quantidades, formou-se um movimento frenético rumo ao interior do Pará. Milhares de homens, movidos tanto pela esperança quanto pela necessidade, abandonaram suas famílias, atravessaram longas distâncias e enfrentaram dificuldades extremas para chegar ao local. Esse deslocamento em massa deu início a uma saga marcada por contrastes extremos: a sorte de alguns que encontraram pepitas gigantescas e enriqueceram da noite para o dia; o desespero de muitos que cavavam com as mãos em valas escorregadias sob o sol escaldante; a violência que emergia da disputa por espaço, ouro e sobrevivência; e as duríssimas condições de trabalho que transformaram o sonho dourado em um verdadeiro pesadelo de lama, suor e sangue.
No auge do garimpo, Serra Pelada mais parecia um formigueiro humano, com milhares de corpos movendo-se sem parar por entre escadarias de barro e profundos buracos cavados manualmente. Não havia infraestrutura, direitos trabalhistas ou garantias mínimas de segurança. Os homens, amontoados em alojamentos improvisados ou ao relento, enfrentavam doenças, acidentes frequentes e o constante risco de conflitos armados. Apesar disso, a esperança de encontrar uma única pepita capaz de mudar tudo sustentava a multidão, tornando Serra Pelada um símbolo potente de como a miséria, a ambição e a resistência humana podem se entrelaçar em uma mesma paisagem de luta e contradição.
A origem da saga de Serra Pelada está envolta em um acaso que mudaria para sempre a história da mineração no Brasil. Tudo começou em 1979, quando a filha de Genésio Ferreira da Silva, um modesto funcionário de uma fazenda situada na região, encontrou algumas pedras de aparência dourada enquanto brincava despretensiosamente nas águas rasas de um riacho. Sem ter ideia do valor daquilo que havia encontrado, a criança entregou as pedras ao pai, acreditando tratar-se apenas de curiosas pedras brilhantes. Genésio, intrigado com o material, decidiu levá-las para avaliação na cidade de Marabá, a mais próxima com alguma estrutura comercial e de serviços.
Foi lá que o destino da região começou a ser selado. Ao mostrar as pedras a um vaqueiro da cidade, a revelação foi imediata: tratava-se de ouro. A confirmação fez o coração da notícia bater mais forte e se espalhar rapidamente, primeiro pelos arredores e, em seguida, por todo o estado e o país. A possibilidade de encontrar ouro em grande quantidade e logo na superfície — sem necessidade de perfurações profundas ou equipamentos sofisticados — despertou o imaginário coletivo e desencadeou uma corrida sem precedentes. O apelo da “facilidade” em extrair o metal precioso mobilizou pessoas comuns, trabalhadores informais, desempregados e até mesmo pequenos investidores, todos atraídos pela promessa de enriquecimento rápido.
O nome Serra Pelada não poderia ser mais descritivo para aquele cenário ainda intocado: uma elevação natural com cerca de 150 metros de altura, sem vegetação densa, com o solo exposto — daí o termo “pelada”. No entanto, o que era uma formação geográfica modesta logo se transformaria, pelas mãos de milhares de garimpeiros, em uma cratera colossal, símbolo da devastação provocada pela exploração intensa e desordenada. O que começou como uma brincadeira infantil se converteu, em pouco tempo, em um dos maiores ciclos de mineração artesanal do mundo, revelando tanto a potência quanto a precariedade do garimpo brasileiro.
O cenário brasileiro no início dos anos 1980 era marcado por profundas dificuldades econômicas e políticas. O país enfrentava uma inflação galopante que corroía o poder de compra da população, índices elevados de desemprego e um regime militar que, embora já em seus momentos finais, ainda mantinha forte controle sobre a sociedade. Nesse ambiente de incerteza, repressão e escassez, a descoberta de ouro em Serra Pelada surgiu como uma promessa quase milagrosa de redenção financeira. A possibilidade de enriquecer rapidamente, mesmo sem escolaridade, sem recursos e sem garantias, tornou-se uma alternativa irresistível para milhares de brasileiros que viam no garimpo uma saída para a miséria ou para uma vida de privações.
Movidos tanto pela esperança quanto pelo desespero, homens de todas as partes do Brasil começaram a migrar para a remota região paraense. Em questão de meses, Serra Pelada deixou de ser apenas uma elevação rural para se transformar em um verdadeiro fenômeno populacional e econômico. Estima-se que aproximadamente 90 mil pessoas tenham chegado ao local no auge da corrida do ouro, a maioria composta por homens pobres, desempregados e sem perspectiva de futuro nas cidades. Eles carregavam consigo sonhos, ferramentas improvisadas e uma fé cega de que bastava cavar o solo com as próprias mãos para mudar de vida. A ganância, nesse contexto, se misturava ao desespero de quem já não tinha mais nada a perder.
Com essa avalanche humana, Serra Pelada rapidamente atingiu proporções gigantescas. A montanha original desapareceu sob o esforço de milhares de braços, dando lugar a um enorme buraco escavado manualmente, com estruturas rudimentares e um cotidiano regido pela lama, pelo suor e pela tensão constante. O local ganhou fama internacional e entrou para a história como uma das maiores minas de ouro a céu aberto do mundo, não apenas pelo volume do metal extraído, mas também pela impressionante concentração de trabalhadores, pela precariedade das condições e pelo simbolismo social que aquele garimpo representava para o Brasil daquela época.
Para ingressar oficialmente na atividade garimpeira em Serra Pelada, os trabalhadores precisavam passar por um processo de cadastramento. Era necessário apresentar documentos de identificação e fornecer fotografias para a emissão de uma carteirinha, o que daria direito a explorar um espaço delimitado no garimpo. As filas para obtenção dessa autorização se tornavam quilométricas, reflexo da imensa procura por um lugar naquele solo promissor. O tempo de espera, muitas vezes sob o calor escaldante e em condições insalubres, não desanimava os candidatos, pois o que movia cada um deles era a possibilidade de encontrar uma fortuna enterrada sob a terra vermelha do Pará.
As histórias que circulavam entre os garimpeiros e recém-chegados serviam como combustível para manter vivo o sonho do ouro. Os chamados "bamburrados" – aqueles que, por sorte ou insistência, encontravam grandes quantidades de ouro de uma só vez – viraram lenda. Eram relatos que pareciam saídos de contos fantásticos, como baldes cheios de pepitas ou descobertas de pedras com peso equivalente ao de uma criança. Um dos casos mais famosos foi o de Zé Maria, que se tornou símbolo da sorte extrema ao vender 245 quilos de ouro em apenas um dia, um feito que o consagrou entre os garimpeiros como exemplo do que o destino poderia reservar aos mais afortunados.
No entanto, a euforia do ouro quase sempre vinha acompanhada por uma ausência completa de planejamento. Muitos dos que "bamburravam" mergulhavam imediatamente em um estilo de vida extravagante e desregrado. Fretavam aviões particulares apenas para ostentar, compravam carros em série – um para cada dia da semana –, substituíam os dentes por coroas de ouro maciço, e ofereciam pepitas como se fossem brindes. Essa ostentação desenfreada, porém, raramente era sustentada por qualquer preparo financeiro ou consciência do futuro. A maioria daqueles que enriqueceram rapidamente acabava, em questão de meses ou poucos anos, voltando para suas cidades de origem em situação pior do que a que tinham antes. A combinação de ganância, desinformação e ausência de estrutura acabava transformando o ouro em pó nos dedos daqueles que não sabiam como segurá-lo.
Apesar dos relatos de fortuna e das histórias de sorte que alimentavam o imaginário popular, a realidade enfrentada pela imensa maioria dos garimpeiros em Serra Pelada era marcada por extrema dureza e precariedade. A mineração, feita de forma artesanal, contava com recursos mínimos: pás, picaretas, baldes e cordas substituíam máquinas, enquanto a força física e a resistência eram as principais ferramentas de trabalho. Sem qualquer tipo de mecanização, os homens cavavam manualmente buracos profundos, muitas vezes em terrenos instáveis e enlameados, correndo riscos constantes de deslizamentos, soterramentos e acidentes fatais.
As condições de vida eram igualmente brutais. Não havia estrutura mínima de saneamento ou saúde. A água potável era escassa, a comida muitas vezes estragada ou insuficiente, e os abrigos improvisados mal protegiam do sol forte durante o dia e do frio à noite. Os trabalhadores dormiam em barracos de madeira e lona espalhados por toda a encosta da serra, formando uma cidade improvisada e caótica que chegou a abrigar cerca de 40 mil homens. Esse aglomerado humano vivia em um ambiente insalubre, com lama por todos os lados, sem vegetação visível e tomado por mosquitos, poeira e lixo.
A ausência de infraestrutura e organização básica contribuía para a proliferação de doenças, desde infecções respiratórias até enfermidades tropicais, além de favorecer quadros de desnutrição e esgotamento físico. Inicialmente, o garimpo era exclusivo de homens adultos – mulheres, crianças e idosos eram proibidos de permanecer na área de extração, o que reforçava o clima hostil e tenso do local. O ambiente era dominado por uma atmosfera de esforço extremo, competição constante e sobrevivência diária, onde o sonho de encontrar ouro era muitas vezes sufocado pela brutalidade da vida no garimpo.
Com o crescimento explosivo da atividade garimpeira e a rápida transformação de Serra Pelada em uma verdadeira cidade informal tomada por dezenas de milhares de homens, o governo brasileiro decidiu intervir diretamente na região a partir de 1980. O cenário caótico que se formava, marcado por desordem, violência, condições de vida extremas e conflitos constantes entre trabalhadores, impunha riscos tanto à segurança quanto à imagem do Estado. Além disso, havia um interesse evidente em garantir controle sobre a riqueza mineral que jorrava daquele solo — em especial, sobre a comercialização do ouro, que movimentava somas altíssimas em transações informais e sem tributação.
A primeira grande mudança imposta pela intervenção governamental foi tornar obrigatória a venda de todo o ouro extraído em agências da Caixa Econômica Federal. Com isso, o Estado passou a centralizar e regular o comércio do metal, garantindo que os valores pagos fossem considerados “justos”, ao mesmo tempo em que se assegurava sua parcela nos lucros da exploração. Essa medida visava também conter o mercado paralelo, evitar fraudes e oferecer alguma estabilidade financeira no meio da confusão. Para implementar e supervisionar as ações do governo, foi designado o Major Sebastião Rodrigues de Moura, mais conhecido como Major Curió — personagem já conhecido por sua atuação na repressão à Guerrilha do Araguaia, na mesma região amazônica.
Curió assumiu o comando da área com autoridade e rapidez. Uma de suas primeiras medidas foi a desapropriação da fazenda onde tudo começou — propriedade de Genésio, o homem cuja filha havia encontrado as primeiras pedras douradas em 1979. Os detalhes e condições do acordo com o proprietário original nunca foram completamente esclarecidos, mas o terreno foi incorporado à zona sob controle federal. Para conquistar o apoio da massa de garimpeiros, Curió anunciou o fim da cobrança de percentuais sobre o ouro encontrado, prática até então comum em muitos barrancos controlados por intermediários ou “donos” informais de lotes. A medida foi vista como um gesto de justiça social, permitindo que os trabalhadores mantivessem integralmente o fruto de seu esforço.
Outra decisão controversa foi a proibição permanente da presença de mulheres na área do garimpo. A justificativa, defendida com base na ideia de que sua presença aumentava os conflitos e comprometia a “disciplina” entre os homens, encontrou receptividade entre muitos garimpeiros, que aplaudiram publicamente a decisão. Na prática, a medida reforçava a masculinização extrema do espaço e institucionalizava a exclusão de qualquer dinâmica familiar ou afetiva, consolidando Serra Pelada como um ambiente isolado, dominado pela lógica do esforço físico, da competitividade e da resistência bruta.
A rotina em Serra Pelada e nos arredores era marcada por um ambiente de constante tensão e violência, onde o risco de morte fazia parte do cotidiano tanto dentro do garimpo quanto fora dele. À medida que milhares de homens se concentravam na região em busca do ouro, pequenas comunidades começaram a surgir nos arredores como forma de dar algum suporte à movimentação intensa de pessoas e mercadorias. Uma das mais emblemáticas foi a então chamada “Vila dos 30”, situada a cerca de 30 quilômetros da área de extração, que mais tarde daria origem à atual cidade de Curionópolis.
Essa vila tornou-se rapidamente um centro alternativo à Serra Pelada, oferecendo aquilo que o garimpo proibia: diversão, prostituição, comércio livre e consumo de bebidas alcoólicas. Era o local onde os garimpeiros iam gastar parte de seus ganhos, especialmente os que haviam tido sorte no barranco. Os bares e bordéis proliferaram, transformando o espaço em um núcleo boêmio e perigoso, onde ostentar riqueza podia ser tanto um símbolo de status quanto uma sentença de morte. A atmosfera era dominada por rivalidades, tensões acumuladas durante as semanas de trabalho pesado e uma lógica de poder baseada no dinheiro fácil, na força física e nas armas.
A violência era tão presente que o local ganhou o apelido popular de “de dia 30, à noite 38” — uma referência à distância de 30 quilômetros até o garimpo durante o dia e ao calibre das armas mais usadas à noite. O apelido sintetizava a realidade do lugar: um ambiente que, após o pôr do sol, se tornava palco de tiroteios, brigas, assassinatos e acertos de contas. Desavenças provocadas por ciúmes, traições, disputas territoriais ou exibições de riqueza recém-conquistada nos bordéis frequentemente resultavam em confrontos fatais. A ausência de uma presença policial efetiva e de qualquer sistema de justiça contribuiu para que Curionópolis fosse vista como um território sem lei, onde o ouro comprava proteção e a vida humana valia pouco diante do desejo por poder e prestígio.
A presença da morte em Serra Pelada era uma realidade onipresente, aceitada com resignação por aqueles que nela viam o preço inevitável da chance de enriquecer. Em meio ao caos da maior corrida do ouro já registrada no Brasil, vidas eram perdidas de maneira frequente e brutal. A falta de estrutura básica e de cuidados com segurança fazia do garimpo um ambiente extremamente hostil à sobrevivência. Doenças tropicais como malária e febre amarela se espalhavam facilmente, favorecidas pela concentração humana em condições insalubres e pela ausência de saneamento. Os combates físicos também eram comuns, e garimpeiros frequentemente morriam em disputas motivadas por rivalidades, dinheiro ou desentendimentos. Tiros, facadas e até ataques com picaretas eram recorrentes em um espaço onde a tensão era permanente e a justiça, inexistente.
Mas entre todas as formas de morte, uma em especial se tornou símbolo da negligência e do risco constante vivido por aqueles que desciam e subiam os barrancos da gigantesca cava: as quedas das frágeis escadas improvisadas. Produzidas com troncos de madeira e construídas precariamente, essas estruturas verticais ligavam o topo da cratera ao fundo do garimpo, onde milhares de homens escavavam a terra à mão. As escadas eram estreitas, instáveis e escorregadias, especialmente em dias de chuva ou sob o peso de homens carregando sacos de cascalho e ferramentas. Sua altura vertiginosa e a movimentação incessante tornavam-nas extremamente perigosas.
Com o tempo, essas escadas receberam um nome sombrio que expressava o medo coletivo diante da sua letalidade: foram apelidadas de “Adeus Mamãe”. A expressão simbolizava o destino trágico de muitos que caíam e morriam ali, despencando de dezenas de metros sem qualquer chance de sobrevivência. Inicialmente, cada morte causava comoção e interrompia temporariamente o trabalho, com os colegas expressando dor e respeito. Contudo, à medida que as mortes se acumulavam e se tornavam rotineiras, o luto foi sendo substituído pela indiferença. A corrida pelo ouro não parava. Corpos eram retirados, e logo outro garimpeiro assumia o lugar do morto, movido pela mesma esperança de “bamburrar”. A banalização da morte tornou-se parte da engrenagem desumana daquele lugar, onde a riqueza era um prêmio possível, mas sempre à beira do abismo.
A exploração de ouro em Serra Pelada, que começou com entusiasmo e esperança no final da década de 1970, teve um ciclo relativamente curto, mas profundamente marcante. Durou pouco mais de dez anos, encerrando-se oficialmente em 1992. Durante esse período, estima-se que cerca de 50 toneladas de ouro tenham sido extraídas do solo — um número que, embora impressionante, pode representar apenas parte do total real, já que o contrabando e a venda informal de ouro eram práticas comuns, dificultando qualquer medição precisa. O garimpo atraiu ao longo dos anos mais de 150 mil pessoas de diferentes partes do país, principalmente homens pobres em busca de uma chance de mudar de vida. Para muitos deles, a passagem por Serra Pelada foi breve e brutal. A ausência de documentos de identidade entre os garimpeiros, associada à precariedade do local e à constante rotatividade de trabalhadores, torna impossível calcular o número exato de mortes ocorridas ali.
O fim da atividade garimpeira não veio por falta de interesse ou de demanda pelo ouro, mas sim como consequência direta da própria intensidade com que o local foi explorado. As escavações cada vez mais profundas acabaram atingindo o lençol freático, provocando a inundação da cratera. Sem tecnologia ou estrutura para conter o avanço da água, os trabalhadores viram o buraco se transformar rapidamente em um imenso lago. O que antes era uma elevação de 150 metros de altura passou a ser um abismo de mais de 200 metros de profundidade coberto por água, encerrando de forma definitiva a mineração manual naquele local. O impacto foi devastador: milhares de homens perderam sua fonte de sustento e muitos simplesmente desapareceram sem deixar rastros.
Além das perdas humanas e sociais, o legado mais visível de Serra Pelada é a cicatriz ambiental deixada pela exploração desenfreada. A área, antes coberta por vegetação amazônica, foi completamente devastada. A terra foi escavada, os cursos d'água alterados, e toneladas de solo foram movimentadas sem qualquer controle técnico ou planejamento ambiental. A cratera alagada permanece até hoje como um monumento à ambição e à destruição causadas pela corrida do ouro. Serra Pelada é considerada uma das maiores intervenções humanas não planejadas na natureza já registradas no Brasil, deixando marcas que perduram no território e na memória coletiva do país.
Apesar de a mineração em Serra Pelada ter terminado oficialmente em 1992, as histórias e as promessas de riqueza continuam a cercar a região. Estima-se que ainda possam existir cerca de 1 milhão de toneladas de ouro submersas sob as águas da cratera, formando o que seria talvez a maior reserva de ouro intocada do mundo. Essa quantidade, se verdadeira, representaria uma fortuna inacreditável, mas também se configura como um lembrete da efemeridade e da destruição que acompanharam a febre do ouro no Brasil. A área transformada em um vasto lago representa tanto um símbolo de riqueza quanto de devastação ambiental, e o ouro que permanece oculto no fundo da cratera continua a ser um mistério, um apelo irresistível para aqueles que ainda sonham com o tesouro perdido.
A história de Serra Pelada, marcada por seu caos, suas mortes, e seu impacto irreversível no meio ambiente, permanece como um testemunho da irracionalidade da corrida pelo ouro e das consequências de uma exploração descontrolada. A promessa de enriquecimento rápido, que atraiu milhares de homens e destruiu um pedaço significativo da Amazônia, ficou para a história como um exemplo claro de como a ganância e a falta de planejamento podem transformar um sonho de riqueza em um pesadelo coletivo. Assim, o legado de Serra Pelada não é apenas uma história de ouro, mas também uma lição sobre os limites da exploração e os danos irreparáveis que ela pode causar à natureza e às pessoas.
Da redação Ponto Notícias l Belém