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Nova corrida do ouro na Amazônia ultrapassa Serra Pelada em escala, tecnologia e impacto ambiental

Com apoio do crime organizado, garimpo moderno é difuso, mecanizado e provoca prejuízos bilionários; Operação Catrimani II expõe alcance da devastação

Por: Redação Fonte: Redação
13/06/2025 às 07h30
Nova corrida do ouro na Amazônia ultrapassa Serra Pelada em escala, tecnologia e impacto ambiental
Garimpo ilegal na Terra Yanomami: áreas abertas na floresta entre julho e setembro de 2024 ilustram avanço acelerado da destruição

Com prejuízos ao crime organizado que ultrapassam os R$ 345 milhões, a nova corrida pelo ouro na Amazônia revela uma dimensão alarmante. Foram apreendidas 33 aeronaves e 123 dragas em operações recentes, sinalizando que, embora diferente em métodos e características, essa nova fase da exploração aurífera já supera, em alguns aspectos, a magnitude do garimpo histórico dos anos 1980. A dimensão da atual atividade ilegal chama atenção não apenas pelo volume de recursos mobilizados, mas também pelos impactos ambientais e sociais que se acumulam na floresta.
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A memória da Serra Pelada, o maior garimpo a céu aberto da história brasileira, ainda paira como uma sombra no imaginário nacional. Na década de 1980, dezenas de milhares de homens escavaram uma cratera colossal no sudeste do Pará, motivados pelo sonho de enriquecimento imediato. O cenário, marcado por esforço físico extremo, condições precárias e promessas de fortuna, ressurge agora sob nova forma: uma corrida aurífera impulsionada por tecnologia e logística sofisticada, ainda que envolta em ilegalidade e destruição ambiental.
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A comparação entre o passado e o presente evidencia um cenário complexo e revelador. Enquanto a Serra Pelada foi símbolo da força de trabalho manual concentrada e visível, a nova corrida é descentralizada, invisível aos olhos comuns, mas operando com enorme eficácia. Com a atuação de organizações criminosas, o foco não é apenas a mineração, mas toda uma cadeia econômica que sustenta as atividades ilegais, sendo combatida por operações federais de grande escala. O impacto, agora, é medido não em imagens icônicas de trabalhadores cobertos de lama, mas em dados concretos: prejuízos bilionários, aeronaves interceptadas e estruturas fluviais apreendidas.
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A Serra Pelada dos anos 80, com sua icônica paisagem de homens subindo e descendo em fileiras pelas encostas enlameadas, tornou-se símbolo de um Brasil que buscava riquezas no esforço físico coletivo. Imortalizada por fotógrafos como Sebastião Salgado, aquela era uma corrida marcada pela improvisação e pelo contato direto com o solo. Hoje, embora o “formigueiro humano” não seja mais visível, a exploração segue intensa, agora escondida entre rios e selvas, guiada por motores potentes, sistemas de navegação e redes criminosas que movimentam milhões.

O trabalho na Serra Pelada, nos anos 1980, era completamente rudimentar, centrado na força bruta de milhares de homens que, em longas fileiras, carregavam sacos pesados de minério por escadas improvisadas de madeira, conhecidas como “adeus mamãe”. A cena era marcada por esforço físico extremo, suor e risco constante. A escala da operação podia ser percebida a olho nu: uma cratera gigantesca que se expandia dia após dia, moldada pela força coletiva dos garimpeiros. Aquela imagem brutal e humana simbolizava não apenas a busca pelo ouro, mas também a resistência de um povo em condições extremas.
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Hoje, a realidade é radicalmente distinta. A exploração de ouro na Amazônia é dominada por maquinário pesado e logística de ponta. Dragas, tratores e escavadeiras substituíram o esforço humano direto, permitindo a extração em grande escala e com velocidade muito maior. O impacto ambiental é mais devastador e ocorre de forma acelerada, atingindo áreas antes preservadas. Essa nova corrida pelo ouro se beneficia de infraestrutura sofisticada: pistas de pouso clandestinas, comunicação via satélite e cadeias de abastecimento capazes de manter a atividade em locais remotos. A tecnologia, que antes era ausente, agora se tornou a grande aliada da ilegalidade, ampliando o alcance da destruição na floresta.

.A resposta do Estado diante da nova corrida pelo ouro deixa evidente a grandiosidade e a sofisticação das operações ilegais. A Operação Catrimani II, conduzida ao longo de um ano na Terra Indígena Yanomami, entre abril de 2024 e abril de 2025, revelou um cenário de ampla disseminação do garimpo moderno. Ao todo, mais de R$ 345 milhões em prejuízos foram causados ao crime organizado. Foram apreendidas 33 aeronaves utilizadas na logística dos garimpos, 123 balsas e dragas foram inutilizadas, além da destruição de 508 acampamentos ilegais e 53 pistas de pouso clandestinas. Esses números dimensionam o esforço estatal para conter uma rede criminosa que opera com alto grau de planejamento e infraestrutura.
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Diferentemente da Serra Pelada dos anos 1980, o garimpo atual não se concentra em uma única cratera visível. Ele se pulveriza em milhares de pontos clandestinos espalhados por vastas extensões da floresta amazônica. Apenas na Terra Yanomami, entre julho e setembro de 2024, 50 hectares de novas áreas de extração foram abertos, demonstrando o avanço contínuo da devastação. A natureza difusa e invisível dessa exploração torna o problema ainda mais grave: sua somatória territorial representa um impacto potencialmente maior do que o da Serra Pelada original, comparável a um câncer silencioso que se alastra pelo corpo da floresta.
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Embora a motivação central — a busca pelo ouro — permaneça a mesma, a estrutura da atividade mudou drasticamente. Na nova configuração, o garimpo ilegal não é apenas movido por indivíduos em busca de riqueza, mas é financiado, articulado e protegido por facções criminosas. Essas organizações utilizam a mineração como fonte de lucro e meio para lavar dinheiro, operando com lógica empresarial, controle territorial e estratégias de blindagem. A economia do garimpo moderno concentra o lucro nas mãos de poucos financiadores, ao contrário do ciclo mais direto da riqueza entre garimpeiros observado em Serra Pelada.
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A expressão “nova Serra Pelada” carrega força simbólica, mas não retrata a complexidade do fenômeno atual. A exploração moderna do ouro é mais dispersa, sofisticada, criminosa e devastadora em termos ambientais. O que antes era visível em uma imagem icônica de suor e lama, hoje se esconde sob o véu de operações aéreas, rotas logísticas e crimes ambientais de grande escala. A Amazônia enfrenta uma ameaça diferente — mais silenciosa, mais organizada e, em muitos aspectos, ainda mais destrutiva.

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Da redação Ponto V Notícias   l  Bruno Teles

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