Pesquisadores da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) identificaram níveis elevados de mercúrio no sangue e na urina de moradores que vivem às margens da laguna Mundaú, em Maceió. Esses valores foram superiores aos verificados em outros grupos da mesma cidade com condições socioeconômicas semelhantes, mas que residem longe da laguna. O estudo foi realizado por meio de um convênio entre a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas (Fapeal).
A análise apontou que a população exposta à contaminação apresenta sinais de estresse oxidativo sistêmico, condição que está ligada ao surgimento e agravamento de várias doenças, especialmente as de origem cardiometabólica. Segundo a professora Ana Catarina Rezende Leite, do Instituto de Química e Biotecnologia da Ufal e uma das coordenadoras da pesquisa, tanto os moradores próximos quanto os distantes da laguna apresentam taxas semelhantes de hipertensão (cerca de 20%) e diabetes (em torno de 10%). No entanto, a ingestão de alimentos retirados da laguna pode agravar a saúde daqueles que vivem próximos à área contaminada.
O estudo também identificou alterações significativas nos glóbulos vermelhos das pessoas expostas ao mercúrio, com impactos na quantidade, tamanho, volume e função dessas células, o que pode levar ao desenvolvimento de quadros de anemia. Além dos efeitos no sangue, os pesquisadores encontraram indícios de danos em órgãos como fígado e rins, evidenciados por alterações em diversos biomarcadores.
Foram observados ainda níveis elevados de triglicérides entre os contaminados, o que aumenta o risco de doenças cardiovasculares. Também houve elevação nos níveis de ureia e creatinina, indicando possível comprometimento da função renal. Esses impactos estão associados à exposição contínua a metais presentes na laguna.
A contaminação está relacionada à dinâmica do próprio sistema lagunar Mundaú, que recebe água do oceano e do continente, e se conecta com canais que transportam efluentes domésticos e industriais oriundos de Maceió e de outras duas cidades vizinhas. Entre os participantes do estudo, 60 pessoas moravam nas proximidades da laguna e consumiam com frequência peixes e mariscos locais, como o sururu. As outras 65 viviam em regiões afastadas e tinham pouco ou nenhum contato com o ambiente contaminado.
As análises laboratoriais revelaram uma diferença expressiva nas concentrações de mercúrio entre os grupos avaliados. Na urina, os moradores da região próxima à laguna apresentaram uma média de 0,48 micrograma por litro, valor cerca de 2,5 vezes maior que o verificado no grupo-controle, cuja média foi de 0,18 micrograma por litro.
No sangue, a discrepância foi ainda mais acentuada: a concentração média de mercúrio entre os expostos à contaminação chegou a 3,40 microgramas por litro, quase quatro vezes superior à registrada nas pessoas sem contato direto com a laguna, que foi de 0,93 micrograma por litro. Em alguns casos, especialmente entre as famílias de pescadores que vivem do consumo da laguna, os níveis chegaram a 19 microgramas por litro de sangue.
Embora esse número esteja abaixo do limite máximo estabelecido pela regulação brasileira — que tolera até 20 microgramas por litro —, ele ultrapassa os limites de segurança recomendados por entidades internacionais. O Programa Internacional de Segurança Química recomenda uma faixa de 5 a 10 microgramas por litro para populações que consomem peixe, enquanto a Agência Americana de Proteção Ambiental (EPA) considera seguro um valor inferior a 6 microgramas por litro.
O professor Josué Carinhanha Caldas Santos, da Ufal e também coordenador do estudo, ressaltou que a legislação brasileira é excessivamente permissiva quanto aos níveis de mercúrio tolerados no organismo humano. Segundo ele, seria necessário monitorar essas populações por um período prolongado para compreender melhor os efeitos da exposição ao metal, mas os dados já revelam alterações metabólicas preocupantes, como a redução da oxigenação celular, que compromete o funcionamento adequado das células.
As descobertas em humanos confirmam os resultados de uma pesquisa experimental anterior realizada pelo mesmo grupo, que investigou os efeitos do mercúrio inorgânico em camundongos com colesterol alto. Nesse experimento, mesmo uma dose considerada de baixa a moderada do metal — em sua forma menos tóxica — administrada por apenas quatro semanas foi suficiente para provocar danos significativos em diversos órgãos, inclusive no cérebro, e para agravar a aterosclerose e o estresse oxidativo.
A professora Helena Coutinho Franco de Oliveira, do Instituto de Biologia da Unicamp e coordenadora do projeto que deu suporte ao estudo, explicou que as lesões causadas pelo mercúrio nos animais foram contundentes, mesmo com uma forma menos agressiva do metal. Ambos os trabalhos tiveram como primeira autora Maiara Queiroz, que desenvolveu o mestrado sob orientação de Ana Catarina Rezende Leite, na Ufal, e coorientação de Oliveira, na Unicamp. Atualmente, Queiroz cursa doutorado no Instituto de Química da USP com bolsa da Fapesp.
Os pesquisadores destacam que os resultados obtidos representam evidências consistentes para embasar a criação e o reforço de políticas públicas voltadas tanto para o meio ambiente quanto para a saúde. Eles defendem que é urgente interromper ou ao menos reduzir a poluição na laguna Mundaú, enquanto se mantém um acompanhamento contínuo das condições de saúde das populações diretamente afetadas pela contaminação.
Essa vigilância permitirá compreender com mais profundidade os efeitos do mercúrio no organismo humano e, possivelmente, adotar medidas eficazes para atenuar os danos. Segundo o professor Josué Carinhanha Caldas Santos, da Ufal, esse é um passo necessário para reduzir os impactos da exposição ao metal pesado.
A equipe científica também planeja investigar, em etapas futuras da pesquisa, outros metais presentes na laguna, que podem estar atuando em conjunto com o mercúrio e agravando seus efeitos tóxicos. No entanto, há limitações logísticas para essa continuidade: um dos bairros analisados, Bebedouro — um dos mais antigos de Maceió —, não poderá mais ser incluído nas coletas. A área foi evacuada recentemente devido ao risco de desabamento associado à exploração de sal-gema em seu subsolo.
O estudo contou ainda com o apoio da Fapesp, por meio de um projeto coordenado pelo professor Aníbal Vercesi, da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp.
Da redação PontoVNotícias l Agência Fapesp.