Uma prática tradicional do campo ainda resiste ao tempo em Araguaína, no Tocantins. Há 15 anos, o pecuarista Mauro Hércules mantém viva a tradição de conduzir a boiada a cavalo entre duas propriedades rurais, uma atividade que une eficiência no manejo do gado com a preservação cultural. Todos os anos, durante a estiagem, ele reúne familiares, amigos e funcionários para o deslocamento dos animais de uma fazenda à outra, onde são mantidos em regime de confinamento para engorda.
Neste ano, entre os dias 19 e 21 de junho, aproximadamente 80 cavaleiros participaram da condução de mais de 760 cabeças de gado, partindo da fazenda Monte Alegre com destino à fazenda Ouro Verde. O trajeto de 80 quilômetros atravessou os municípios de Araguaína, Muricilândia e Santa Fé do Araguaia. Mesmo com a predominância do transporte moderno por caminhões-gaiola, Mauro opta por manter o percurso tradicional, valorizando as raízes sertanejas da região e o vínculo com a cultura local.
Segundo ele, a prática começou por necessidade, mas hoje se transformou em um evento aguardado por todos os envolvidos. “É mais que um deslocamento, é um momento de encontro, de celebração e de festa para quem participa. Agora não tem mais como voltar atrás”, afirma o pecuarista, destacando o aspecto afetivo e comunitário que o costume adquiriu ao longo do tempo.
Ao longo do percurso, a boiada atravessou estradas vicinais, propriedades rurais e também alguns trechos asfaltados, evidenciando o desafio logístico e o cuidado envolvido na condução tradicional dos animais. A movimentação despertou o interesse da comunidade local e contou com a participação do prefeito de Araguaína, Wagner Rodrigues, que fez questão de acompanhar o primeiro dia do trajeto.
Durante sua participação, o prefeito relembrou suas origens familiares ligadas à atividade, destacando o valor simbólico e histórico da tradição. Ele contou que seu pai e irmãos mais velhos conduziam boiadas na região da Ilha do Bananal, em jornadas que duravam até 30 dias, apesar do número reduzido de cabeças de gado. “Na época eram só 20, 30 cabeças, mas o trajeto era difícil. Por isso eu respeito muito essa tradição e fico feliz em saber que há pecuaristas como o Mauro mantendo a boiada viva, é a riqueza da nossa região”, declarou Wagner, enfatizando a importância cultural e identitária desse costume para o Tocantins.
A trajetória da família Hércules no Norte do Tocantins remonta à década de 1960, quando ainda era território goiano. Naturais de Uberaba e Ituiutaba, em Minas Gerais, os membros da família chegaram à região em 1963, quando o patriarca adquiriu a Fazenda Santa Rosa. Na época, o cenário era de mata fechada, com pouca infraestrutura e presença marcante da vegetação nativa e de animais selvagens, como onças. A abertura do pasto foi feita manualmente, em trilhas abertas no facão, e a propriedade só começou a ser cultivada dez anos após a compra.
Em 1981, a família ampliou sua presença na região com a compra da Fazenda Ouro Verde, quando Mauro, o caçula entre cinco irmãos, assumiu a administração das terras e se estabeleceu de vez em Araguaína. Ele relembra os desafios do início, com muito esforço diário e trabalho sob o sol para desbravar a terra e desenvolver as propriedades. “Lá no começo, era tudo mais mato do que temos hoje, mata virgem mesmo, muita onça, e a Santa Rosa meu pai abriu 10 anos depois de comprar, porque o pasto era aberto na picada mesmo”, conta. Hoje, Mauro se dedica a manter viva a tradição e o legado construído por sua família ao longo das décadas.
Araguaína, amplamente reconhecida como a Capital do Boi Gordo, mantém uma posição de destaque na pecuária tocantinense. Até novembro de 2024, o município registrava quase 302 mil cabeças de gado, consolidando-se como o terceiro maior rebanho bovino do Estado, de acordo com dados da Agência de Defesa Agropecuária do Tocantins (Adapec).
A produção de carne na cidade alcança reconhecimento tanto em nível nacional quanto internacional. Araguaína é o único município do Tocantins que realiza exportações significativas para o exigente mercado dos Estados Unidos. Somente entre janeiro e maio de 2025, foram embarcadas 4.638 toneladas de carne bovina, resultando em uma receita de US$ 23,6 milhões — aproximadamente R$ 130 milhões. Esses números colocam a cidade entre as dez maiores exportadoras de carne bovina brasileira para os EUA, reforçando sua importância no setor agropecuário do país.
Na região de Araguaína, cinco frigoríficos operam com forte presença no mercado nacional, sendo responsáveis por consolidar a reputação da carne produzida no município como uma das mais valorizadas do Brasil. Esses estabelecimentos são fundamentais não apenas para a economia local, mas também para a cadeia produtiva da carne bovina em nível estadual e federal.
Graças à qualidade do rebanho, ao rigor sanitário e aos investimentos em tecnologia e logística, a carne araguainense conquistou espaço nas gôndolas dos principais supermercados do país. Seja nos centros urbanos do Sudeste, nas capitais do Nordeste ou nas regiões de fronteira, a proteína animal produzida em Araguaína se faz presente, carregando o prestígio de uma pecuária que alia tradição, modernidade e eficiência.
Essa estrutura frigorífica regional não apenas sustenta a economia da cidade, como também reforça a marca de Araguaína como um polo de excelência na produção de carne bovina — do pasto à mesa, com reconhecimento crescente dentro e fora do Brasil.
Da redação P&V Notícias l Com informação Secom Araguaína Tocantins