Mato Grosso do Sul, estado com cerca de 61% de seu território coberto pelo bioma Cerrado, tem passado por profundas transformações no uso da terra nas últimas décadas. Um dos destaques é a expansão da agricultura, especialmente o cultivo de soja, cuja área plantada quase triplicou entre 1990 e 2022 — saltando de 1,28 milhão para 3,69 milhões de hectares. Esses dados, divulgados pela Ambiental Mídia, reforçam a intensidade da conversão de áreas nativas em áreas agrícolas no estado.
Essa intensificação do agronegócio ocorre em um contexto de alerta sobre os impactos ambientais, especialmente no que diz respeito aos recursos hídricos. Um levantamento da mesma entidade aponta que, desde os anos 1970, as grandes bacias hidrográficas do Cerrado perderam cerca de 27% da chamada vazão de segurança, ou seja, a quantidade mínima de água disponível de forma regular. Isso equivale à perda de um volume de água da ordem de 30 piscinas olímpicas por minuto.
A dimensão do problema é ainda mais impressionante quando se considera que, em apenas um dia, o volume de água perdido no Cerrado seria suficiente para abastecer todo o Brasil por mais de três dias. Esses dados evidenciam os efeitos da degradação ambiental sobre os ciclos hídricos da região e colocam em discussão os limites da expansão agrícola frente à sustentabilidade dos ecossistemas do Cerrado.
A expansão da soja em Mato Grosso do Sul segue o ritmo do avanço nacional do agronegócio, mas traz junto uma série de impactos ambientais expressivos. Entre 1990 e 2022, a área plantada com soja no estado quase triplicou, passando de 1,28 milhão para 3,69 milhões de hectares. Esse crescimento acompanha a tendência observada em todo o Brasil, onde a soja saltou de 11,5 milhões para mais de 41 milhões de hectares no mesmo período.
Esse aumento acelerado da atividade agrícola, no entanto, tem consequências. De acordo com a Ambiental Mídia, a conversão de áreas nativas em campos agrícolas tem contribuído para a redução da cobertura vegetal do Cerrado, resultando em perdas significativas de chuvas — com queda de 22% — e na redução da vazão dos rios em 27%, comprometendo a segurança hídrica da região. O biólogo Sérgio Barreto, do Instituto Homem Pantaneiro (IHP), alerta que o Pantanal é diretamente afetado por essas mudanças, já que depende do equilíbrio hídrico das áreas de Cerrado para manter sua estabilidade. Ele defende a adoção urgente de medidas corretivas para proteger esse patrimônio natural.
A degradação do bioma também afeta diretamente a biodiversidade. Arnaud Desbiez, fundador e presidente do Instituto de Conservação de Animais Silvestres (ICAS), descreve os extensos campos de soja como “desertos verdes”, onde os animais silvestres não conseguem sobreviver nem se reproduzir. Para ele, a esperança está nas áreas de vegetação natural ainda preservadas, protegidas pela legislação ambiental. O Código Florestal determina que os proprietários rurais mantenham pelo menos 35% do Cerrado em suas propriedades conforme o Cadastro Ambiental Rural (CAR). Esses fragmentos remanescentes acabam sendo a última chance de sobrevivência para muitas espécies nativas.
A importância das áreas naturais preservadas é reforçada por especialistas que atuam diretamente na conservação da fauna do Cerrado. Arnaud Desbiez, presidente do Instituto de Conservação de Animais Silvestres (ICAS), destaca que esses fragmentos de vegetação nativa são fundamentais para a sobrevivência da biodiversidade. Ele enfatiza que é essencial que os proprietários rurais respeitem as áreas de preservação permanente, especialmente as que ficam próximas a nascentes, córregos e cursos d’água, além das reservas legais exigidas por lei. “É o único lugar onde a vida silvestre pode sobreviver”, afirma.
Há uma década, o ICAS desenvolve um programa de pesquisa focado no tamanduá-bandeira, uma das espécies mais afetadas pelas mudanças no uso da terra. Em Nova Casa Verde, distrito de Nova Andradina (MS), os pesquisadores observaram de perto os efeitos da conversão de habitat. Uma grande porção da área originalmente estudada foi transformada em lavouras de soja, o que provocou o desaparecimento de tamanduás. Alguns indivíduos migraram em busca de novas áreas, outros morreram, e apenas os que conseguiram se abrigar em trechos preservados — com vegetação nativa e disponibilidade de água — permaneceram no local.
O caso evidencia como a expansão da monocultura, sem a devida consideração às exigências ecológicas das espécies nativas, compromete diretamente a fauna silvestre do Cerrado. A permanência de áreas de mata intacta, protegidas por lei, se revela não apenas uma obrigação legal, mas uma condição indispensável para garantir a continuidade da vida no bioma.
Arnaud Desbiez, do ICAS, reforça que não é contra a produção agrícola, especialmente da soja, mas defende que é preciso buscar equilíbrio entre cultivo e conservação ambiental. Segundo ele, a coexistência entre áreas preservadas e lavouras deve ser promovida por meio de paisagens em mosaico, que alternem zonas produtivas e fragmentos de vegetação nativa. Ele alerta que a expansão desenfreada da monocultura, sem reservas naturais intercaladas, transforma o cenário do Cerrado em um "deserto verde", inviável para a vida silvestre.
A mesma preocupação é compartilhada pelo professor Geraldo Alves Damasceno Junior, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), doutor em Ecologia Vegetal. Ele classifica os atuais índices de degradação como alarmantes e critica a falta de planejamento de longo prazo. Para o pesquisador, o país está desperdiçando sua maior riqueza — a biodiversidade — em troca de lucros imediatos e pouco sustentáveis. Damasceno ressalta que o Cerrado abriga um patrimônio genético inestimável, com espécies alimentícias e medicinais que, com investimento em pesquisa e tecnologia, poderiam gerar produtos de alto valor agregado para exportação.
A visão dos especialistas destaca a urgência de reavaliar o modelo atual de ocupação do Cerrado, priorizando o uso responsável do solo e o desenvolvimento de alternativas sustentáveis que aproveitem o potencial da biodiversidade brasileira, em vez de sacrificá-la em nome de ganhos agrícolas imediatos.
A expansão da soja em Mato Grosso do Sul tem provocado efeitos diretos sobre os recursos hídricos do estado e colocado em risco a estabilidade do Pantanal. As bacias hidrográficas do Paraná e do Taquari, fundamentais para a manutenção dos cursos d’água e do equilíbrio do bioma pantaneiro, vêm sofrendo com a perda de cobertura vegetal, o que compromete a recarga dos aquíferos e agrava os efeitos das mudanças climáticas.
Sem vegetação nativa nas áreas de nascentes e de recarga hídrica, o solo perde sua capacidade de infiltração. Com isso, a água das chuvas escorre rapidamente pela superfície em vez de abastecer os lençóis freáticos, o que torna as cheias sazonais do Pantanal mais irregulares e escassas. Essa ruptura no ciclo das águas compromete não apenas a vida no bioma, mas também a segurança hídrica e climática de toda a região.
Além das consequências ambientais, os impactos da degradação também afetam a economia. A agricultura sul-mato-grossense depende diretamente da disponibilidade de água e da estabilidade climática para manter seus níveis de produção. Gustavo Figueirôa, biólogo e diretor do Instituto SOS Pantanal, destaca que o desmatamento e o uso intensivo de agrotóxicos tornam o atual modelo de expansão agrícola insustentável, especialmente em áreas sensíveis. Segundo ele, é urgente restaurar nascentes e áreas degradadas e adotar práticas sustentáveis, não apenas como medida de preservação ambiental, mas também como estratégia de longo prazo para a sobrevivência da própria atividade agrícola. “Ter uma área protegida é de interesse do produtor rural, que precisa da água e do solo para continuar produzindo”, afirma o especialista.
A expansão da soja em Mato Grosso do Sul exerce forte pressão sobre as bacias hidrográficas do Paraná e do Taquari, que são essenciais para a manutenção dos rios do estado e para a preservação do Pantanal. A redução da recarga dos aquíferos, aliada ao aumento das temperaturas, provoca a ruptura do ciclo natural das águas, tornando as cheias sazonais — fundamentais para a sobrevivência do bioma pantaneiro — cada vez mais imprevisíveis e escassas.
Além dos danos ambientais, essa situação representa um sério risco econômico, pois a agricultura em Mato Grosso do Sul depende diretamente da estabilidade do clima e da disponibilidade hídrica para garantir a produtividade das lavouras.