O relato de Lúcio Vale de Souza, pescador tradicional que, por muitos anos, manteve uma rotina estável de pesca no Rio Xingu. Todas as segundas-feiras, ele partia cedo para o rio e retornava na sexta ou sábado com a carga de peixes suficiente para abastecer a cidade e manter seu sustento. Essa rotina semanal era marcada pela previsibilidade e pela conexão direta com o ciclo natural do rio.
Com a construção e operação da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no entanto, a realidade da pesca foi profundamente alterada. O represamento das águas do Xingu afetou a dinâmica do rio e, consequentemente, a disponibilidade de peixes. Agora, Lúcio e os demais pescadores da Colônia Z-57 precisam permanecer mais de 15 dias em atividade nas águas, apenas para conseguir uma quantidade mínima de peixes que permita cobrir os custos da pesca. O tom do texto é marcado pela nostalgia e pela constatação das dificuldades impostas por mudanças ambientais e estruturais causadas pelo empreendimento energético.
a frustração dos pescadores diante da resposta oficial da Norte Energia, responsável pela Usina Hidrelétrica de Belo Monte, às denúncias sobre os impactos da obra na atividade pesqueira. Além da repressão aos protestos, Lúcio e seus colegas ficaram particularmente surpresos com a tentativa da concessionária de minimizar os efeitos da hidrelétrica sobre o ecossistema do Rio Xingu.
Em declaração pública, a empresa alegou que seus monitoramentos ambientais, conduzidos ao longo de 12 anos, indicam que a maioria das espécies de peixes manteve a proporção de indivíduos maduros e que nenhuma espécie foi extinta nas áreas afetadas pela usina. Para sustentar esse discurso, a Norte Energia citou uma parceria com a Universidade Federal do Pará (UFPA), atribuindo ao vínculo acadêmico uma tentativa de conferir legitimidade técnica às suas conclusões. A resposta, no entanto, é vista com ceticismo pelos pescadores, que vivem na prática os efeitos negativos da mudança no rio e na redução drástica do pescado.
As transformações drásticas vividas por pescadores do Rio Xingu após a construção e operação da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Lúcio Vale de Souza, pescador da Colônia Z-57, relembra com saudade sua antiga rotina semanal de pesca, que permitia abastecer a cidade com regularidade e manter sua subsistência. Com o represamento das águas desde o início da operação da usina, no fim de 2015, essa rotina foi profundamente alterada: agora são necessários mais de 15 dias de trabalho no rio apenas para cobrir os custos da atividade, devido à redução significativa da oferta de peixes.
Diante desse cenário, os pescadores decidiram se mobilizar para denunciar a situação. Em março de 2025, bloquearam um trecho da BR-230, a Rodovia Transamazônica, e realizaram protestos nas proximidades de Belo Monte, reivindicando seus direitos e alertando sobre os impactos da hidrelétrica na pesca local. A manifestação teve grande repercussão na imprensa e provocou a reação do governo federal. A pedido do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, a Força Nacional de Segurança Pública foi acionada, evidenciando a tensão entre os trabalhadores atingidos e as autoridades responsáveis pelo empreendimento.
As contradições entre as declarações públicas da Norte Energia e os dados técnicos avaliados por órgãos ambientais sobre os impactos da Usina de Belo Monte na biodiversidade do Rio Xingu. Segundo a análise, a concessionária omite informações relevantes e seleciona apenas dados que reforçam sua narrativa de que o empreendimento não causou prejuízos significativos ao ecossistema aquático. Essa estratégia de comunicação, que privilegia trechos favoráveis e ignora evidências contrárias, compromete a transparência diante da imprensa e da população atingida.
Essa prática é confrontada por um parecer técnico do Ibama, órgão responsável pelo licenciamento ambiental da hidrelétrica. De acordo com o relatório, houve “alterações significativas na estrutura da comunidade de peixes, na abundância e nos padrões reprodutivos das espécies” desde o início da operação da usina. Esses achados reforçam a percepção dos pescadores locais sobre a diminuição do pescado e evidenciam que os impactos ambientais foram mais profundos do que a empresa admite publicamente.
As divergência entre os dados técnicos levantados pelo Ibama e a versão divulgada pela Norte Energia à imprensa após os protestos dos pescadores. Um parecer assinado pela analista ambiental Alessandra Cabral Leite Duim, datado de 18 de março de 2025, confirma impactos ambientais relevantes causados pela Usina de Belo Monte, incluindo reduções significativas na diversidade e quantidade de peixes, bem como na presença de ovos e larvas em diversas áreas da hidrelétrica.
Apesar dessas evidências, a comunicação pública da Norte Energia ignora esses dados críticos. Em sua nota oficial após os protestos, a empresa sustenta que os peixes mantiveram “a proporção de maduros” e que “não ocorreu extinção” de espécies — afirmações que passam a impressão de ausência de impactos. No entanto, os dados apontados pelo Ibama não são sequer mencionados, indicando omissão de informações relevantes. Para ilustrar essas discrepâncias, a plataforma SUMAÚMA realizou uma análise detalhada, ponto a ponto, da comunicação da concessionária, tornando visível a diferença entre os dados científicos e o discurso institucional da empresa.
O 25º Relatório Consolidado da Norte Energia, elaborado em parceria com a Universidade Federal do Pará (UFPA), que reúne dados coletados entre 2012 e 2024 sobre a situação ambiental do Rio Xingu após a construção da Usina de Belo Monte. Divulgado no final de março de 2025, o documento aponta uma redução clara na proporção de peixes maduros — ou seja, aqueles prontos para reprodução — em vários trechos do rio, indicando impactos negativos à biodiversidade. Apesar disso, o relatório ainda não foi oficialmente analisado pelo Ibama.
Sobre a cooperação entre a Norte Energia e a UFPA, o Ibama ressaltou que não interfere nas relações contratuais entre empresas e instituições de pesquisa, mas reforçou que os estudos técnicos produzidos no âmbito do licenciamento ambiental federal devem ser públicos e acessíveis. O órgão ambiental enfatizou a importância de garantir a transparência e o controle social, alertando que informações utilizadas para o cumprimento de condicionantes ambientais ou aperfeiçoamento de monitoramentos devem estar disponíveis para consulta no processo administrativo da usina.
Da redação P&V Notícias l Brasília